quinta-feira, 20 de março de 2008

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A minha avó Laura teve seis filhos. A minha mãe é a mais nova de uma prole de dois rapazes e quatro raparigas. A segunda filha mais nova, faleceu quando tinha dias. Nada sei sobre ela, nem qual a lição que a sua morte prematura, terá trazido aos meus avós. Só eles saberão. E se o entenderam nunca o partilharam com ninguém.

A relação que estabeleci com a minha avó Laura, foi, a de todos os meus avós, a que mais me marcou. Foi tão forte e intensa, que só a comparo à que empreendi com os meus pais. Por isso, o dia da sua morte, foi o mais triste da minha vida. No entanto, esse dia, foi também o início de uma série de mudanças, que me modificaram, para sempre. Foi o início de uma caminhada interior. E a partir deste dia, a vida como a conheci antes, nunca mais foi igual.

A minha avó é uma alma antiga. Quando partiu, possivelmente viveu das últimas, senão a sua última vida.

Durante a doença da minha avó, vivi um grande período de cepticismo. Não teve a ver com a doença dela. Não sei bem como surgiu. Penso que muitas vezes, as relações que estabelecemos com determinadas pessoas, em dada altura das nossa vidas, podem criar estes períodos.

Penso que me fechei a mim própria. Bloqueei. E durante sete longos anos fui uma pessoa extremamente infeliz. Fui emocionalmente submissa. Extremamente dependente do afecto dos outros, da aceitação dos outros e nunca da minha própria aceitação.

Este longo período fez de mim uma pessoa triste, pessimista e depressiva.

A partir de um determinado momento da sua doença, a minha avó entrou numa espécie de coma. Nunca mais falou comigo, nunca mais sorriu e não sei se reconhecia as pessoas que a visitavam. Ficou ali, num mundo diferente, onde já não havia comunicação.

Visitei-a todos os dias à mesma hora, durante cerca de um ano. Nessa altura, deixei também a casa onde morava em Évora e passei a ir e vir todos os dias. Para a poder ver. E porque me sentia muito desamparada.

Então, no dia em que a minha avó partiu, foi como se tivesse esperado por mim para o fazer. Esperou pela hora da minha visita. E se calhar também esperou que estivesse sozinha. Porque morreu comigo.

Naquele momento, a minha avó para sempre, que há um ano vivia num mundo só dela, abriu os olhos. Olhou para mim e sorriu. Senti a despedida. Sentia-a por todos os poros. Depois desviou o olhar e olhando no vazio, sorriu outra vez. E iniciou a sua viagem.

Nunca tinha presenciado a morte humana. E sem dúvida, que aquele momento, tatuou em mim uma imagem, que ainda hoje não consigo apagar, mas que entendo agora, de forma muito diferente.

Agradeço-lhe agora por se ter despedido de mim. Agradeço-lhe por ter esperado. E agradeço-lhe por me ter despertado de um sono longo e apagado e me ter indicado o caminho.

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